O REAL, A RUA E O GOVERNO
Edmar Bacha
O Globo, 30.06.2013, pp. 1 e 28
O Real completa 19 anos em meio a enormes manifestações populares nas
ruas brasileiras. O estopim para os protestos foram os reajustes em
junho dos preços das passagens dos ônibus no Rio e São Paulo,
normalmente feitos em janeiro ou fevereiro. O objetivo do governo
federal com o adiamento dos reajustes foi tentar impedir que a alta dos
preços superasse no início do ano o teto de 6,5% da meta de inflação.
Apesar de ter vindo acompanhado de controles do governo sobre os preços
da energia e da gasolina, de nada valeu aquele adiamento pois o teto da
meta de inflação estourou de qualquer jeito em março.
Durante a
preparação do Plano Real, há 19 anos, eram intensas as pressões sobre o
Ministro da Fazenda e sua equipe para congelar os preços quando da
introdução da nova moeda. A equipe econômica resistiu com sucesso a
essas pressões arguindo com o fracasso do Plano Cruzado, que foi baseado
no congelamento de preços e salários. O Real pôde então ser criado como
uma moeda na qual os preços refletiam livremente seus custos e não a
vontade dos governantes de mantê-los artificialmente baixos.
O atual
governo parece haver esquecido essa lição, ao tentar inutilmente
reprimir a inflação com controles de preços e desonerações fiscais. O
Ministro da Fazenda inventou uma tal de “nova matriz macroeconômica” que
supostamente permitiria fazer a quadratura do círculo, evitando que os
preços subissem apesar da expansão descontrolada do crédito e dos gastos
do governo. A Presidente da República, por sua vez, somente permitiu
que o Banco Central aumentasse tardiamente os juros quando as pesquisas
de opinião pública mostraram sua popularidade em rápido declínio por
causa da inflação alta, colocando em risco sua reeleição.
A
repressão pelo governo dos preços administrados vem minando a saúde
financeira da Petrobrás, da Eletrobrás e das demais concessionárias de
serviços públicos. Apesar disso, o povo nas ruas pede “passe livre” e
isso não somente para os transportes públicos. Por enquanto, a
resposta dos governos foi cancelar os reajustes dos preços dos ônibus e
metrôs. Mas de sua tribuna na presidência do Senado, Renan Calheiros
apresenta um projeto de lei para dar, Brasil afora, passe livre nos
ônibus para os estudantes. A demagogia ameaça correr solta em Brasília.
Sempre antenados, os investidores tratam de se livrar das ações das
concessionárias de serviços públicos, ao antecipar que doravante será
difícil manter os reajustes de preços programados. Nesse ambiente
conturbado, cabe perguntar o que acontecerá com os leilões de concessão
de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos programados para o final do
ano. Será que grupos empresariais sérios se candidatarão a adquirir
concessões que já vêm com o rótulo da “modicidade tarifária”, quando a
demanda das ruas é por tarifas menores do que as atuais?
Esse
encolhimento dos investidores ajuda o dólar a disparar e se agrega à
alta dos juros para piorar as perspectivas da economia. A consequência
provável é que os pibinhos que se vêm manifestando desde 2011
continuarão a mostrar sua cara feia neste e no próximo ano. Não é só a
cara, o nome também é feio: trata-se da estagflação, uma combinação de
estagnação com inflação.
O governo colhe os frutos de se ter
comportado como o proverbial aprendiz de feiticeiro. Brincou com a
inflação que tanto custou a ser contida há 19 anos, ao promover uma
expansão descontrolada do crédito dos bancos públicos e dos gastos
governamentais, ao postergar os reajustes dos preços controlados e ao
não deixar o Banco Central atuar a tempo para conter a alta dos preços.
Agora terá que lidar não só com as novas demandas populares mas também
com a estagflação que ronda a economia do país.
Resta-nos torcer
para que o despertar do Brasil que se manifesta nas ruas de todo o país
produza tempos melhores para todos nós.
Edmar Bacha é economista. Foi membro das equipes econômicas do Plano Cruzado e do Plano Real.
Nenhum comentário:
Postar um comentário