domingo, 10 de outubro de 2021

A visão nebulosa do Belluzzo

 Discussões Econômicas

Qual a melhor forma de realizar uma possível reindustrialização no Brasil?
Luiz Gonzaga Belluzzo - Não vai ser fácil. A crise que hoje machuca a economia brasileira é, sobretudo, uma crise de inteligência estratégica. Bolsonaro, Paulo Guedes e seus "seguidores", dentro e fora do governo, empenham-se na desconstrução do arcabouço institucional que sustentou o desenvolvimento do país ao longo de cinco décadas. Desde os anos 30 do século passado, a trajetória da nossa economia confirma que a coordenação do Estado é crucial para a obtenção de taxas de crescimento elevadas.
O Brasil ocupava, então, a liderança no torneio mundial do crescimento amparado em um processo de industrialização que avançou para dotar o País de uma estrutura produtiva diversificada e moderna. Pindorama era a nação mais industrializada entre os ditos "emergentes".
Descontada a década perdida dos anos 1980, submetida às agruras da crise da dívida externa, o desenvolvimento posterior foi modesto. O primeiro ciclo, o dos anos 1990, moveu-se no território do baixo dinamismo e da regressão da estrutura industrial. Esvaiu-se no colapso cambial de 1999.
O segundo ciclo, apoiado no projeto de inclusão social e expansão do mercado interno, foi sustentado pelos preços das commodities, mas fragilizado pela valorização cambial. Sobreviveu bravamente à crise global de 2008. Perdeu forças nos anos que antecederam à crise de 2015, deflagrada pelo ajuste reclamado pela turma da bufunfa e executado pela dupla Rousseff-Levy.
Desde então, o debate brasileiro trilhou os caminhos das simplificações binárias. Inspirados no filme Querida, Encolhi as Crianças, não são poucos aqueles que recomendam "encolher o Estado". Cortar, desmobilizar e privatizar são os verbos mais conjugados nos gabinetes dos palácios e da finança. A secretaria que cuidava das Privatizações ostentava também a alcunha de Desinvestimentos.
Vamos olhar para a frente: a reindustrialização vai certamente exigir políticas distintas daquelas executadas nos anos do nacional-desenvolvimentismo. A ênfase, agora, deve ser colocada na busca da construção de vantagens dinâmicas apoiadas em programas de inovação, articulados ao agronegócio, às novas fontes de energia, à infraestrutura e às grandes demandas sociais, como educação, saúde, mobilidade urbana e segurança.
A suposta contradição entre Estado e mercado que impregna o discurso dos paleoliberais, desconsidera as coordenações e simbioses existentes entre ambos, em qualquer projeto de desenvolvimento nacional, como demonstrado no livro da professora da Universidade de Sussex, Mariana Mazzucato: The Entrepreneurial State: Debunking public vs. private sector myths.
Assim como no caso das tecnologias embarcadas no iPhone - a internet, o GPS, o touch-screen display e até o comando de voz Siri -, todas tiveram financiamento público.
A leitura do Enterpreneurial State de Mariana Mazzucato poderia ser acompanhada do livro Subsidies to Chinese Industry: Capitalism, business strategy and trade policy, de Usha Haley e George Haley. Os Haley tratam das relações entre as empresas e as políticas governamentais na China, recorrendo a uma exaustiva investigação empírica, sem apelar para o blá-blá-blá ideológico e, não raro, hipócrita, da falsa oposição entre Estado e mercado, leia-se, entre concorrência e planejamento de longo prazo na experiência mais fascinante do capitalismo contemporâneo.
Os estudos de Mazzucato e dos Haley cuidaram de sublinhar as relações peculiares entre os Estados Nacionais, os sistemas empresariais, os programas de inovação tecnológica e a "inserção internacional".
Procuraram chamar a atenção para a centralidade da "organização capitalista" em que prevalecem nexos, digamos, "cooperativos" nas relações entre as empresas e as burocracias civis, militares e de segurança encarregadas de fomentar e administrar o sistema de avanço tecnológico (P&D).
Neste momento, enquanto o Brasil se prepara para aprovar medidas que asfixiam seu Orçamento, Alemanha, Coreia, Japão, China e EUA se preparam para o salto da indústria 4.0, com forte integração e apoio do Estado e da academia na área de P&D.

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