terça-feira, 30 de outubro de 2018

Prioridades da política econômica nova

Ajuste fiscal crível e produtividade devem ser prioridades, diz Canuto
Canuto: com agenda de reformas pela metade, retomada também ficou pela metade
Para recolocar a economia brasileira nos trilhos, o vencedor das eleições deste domingo terá de apresentar um programa crível de ajuste fiscal e adotar uma agenda ampla para melhorar a produtividade, diz Otaviano Canuto, diretor-executivo para o Brasil e mais oito países no Banco Mundial. É fundamental definir de modo mais imediato um plano para reequilibrar as contas públicas, tirando a dívida pública da trajetória explosiva dos últimos anos, ressalta Canuto, que deixará o cargo na semana que vem, após 15 anos em Washington, com passagens pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), além do Banco Mundial. Ele será substituído por Fabio Kanczuk, secretário de Política Econômica da Fazenda.
Segundo ele, "sinais críveis" de reversão da tendência de alta da dívida agirão favoravelmente sobre as expectativas e a avaliação dos prêmios de risco do país. Por enquanto, a comunidade internacional está em compasso de espera, aguardando para ver como vai se materializar o governo de quem for eleito, observa Canuto. "A dinâmica da eleição não tem sido foi muito elucidadora do que concretamente será o conteúdo da agenda dos dois candidatos", afirma ele, ao dizer o que responde aos interlocutores sobre a política econômica no próximo governo.
De acordo com Canuto, "tem-se uma mensagem de uma política econômica mais clara de que se vai priorizar o cuidado fiscal mais do lado de [Jair] Bolsonaro [PSL] do que no lado do PT". Isso tem se refletido nos prêmios de risco dos títulos da dívida do país, diz ele.
Questionado se está preocupado com a política econômica no próximo governo, diz que o seu "viés é de que o aprendizado com as consequências da política voluntarista do fim do segundo governo de Lula e do primeiro governo Dilma ficou claro". Afirma não acreditar que haja "alguma tendência concreta desse tipo de política". Mas Canuto reitera que a campanha não conduziu a uma maior clareza do ponto de vista das propostas econômicas. "A dinâmica eleitoral levou a que se desse prioridade a outros temas."
Canuto diz que há uma "preocupação geral em boa parte do mundo com o avanço que os extremos obtiveram" em muitos lugares. "E me perguntam se esse é o caso do Brasil. Eu respondo que não creio que seja o caso", afirma Canuto. "Há uma situação de crise que tivemos, há um problema que não pode ser negado de violência urbana no país; isso ajuda a acirrar os ânimos e a polarizar, mas não vejo nenhum tipo de tendência da população em direção a qualquer extremo."
E há alguma preocupação com a democracia no país, passadas as eleições? "Como cidadão, eu quero crer que a força das nossas instituições é suficiente para levar esse risco a próximo de zero", diz Canuto, enfatizando o papel fundamental que terão as lideranças políticas no país para evitar extremismos.
Ao tratar dos problemas da economia brasileira, Canuto destaca a necessidade de enfrentar no horizonte mais imediato o desequilíbrio fiscal. A dívida bruta, que estava em 51,5% do PIB no fim de 2013, atingiu 77,3% do PIB em agosto deste ano. Para ele, é importante um programa de ajuste crível. Cumprir o teto de gastos, que limita o crescimento das despesas não financeiras da União, leva a uma melhora na casa de 0,6% do PIB por ano do resultado primário (que exclui dispêndios com juros).
Segundo Canuto, seguir o teto - o que exige a aprovação de medidas como a reforma da Previdência - ou uma combinação de restrição de despesas e recomposição tributária que leve a esse ajuste de 0,6% do PIB ao ano apontaria para uma trajetória sustentável das contas públicas. Em cinco anos, haveria uma melhora de 5% do PIB no resultado primário, indicando uma virada da tendência da dívida em algum momento do começo da próxima década.
Para Canuto, se o programa de reequilíbrio fiscal for crível, a percepção de risco do Brasil vai melhorar, mesmo se a mudança for gradual. Não seria realista nem necessariamente desejável um ajuste num prazo muito curto, segundo ele. Ao mesmo tempo, Canuto aponta a importância de o novo governo promover uma agenda para melhorar a produtividade. Para ele, o ideal é avançar essa pauta paralelamente ao programa de ajuste das contas públicas. A baixa produtividade compromete a capacidade de o país crescer a taxas mais fortes de modo sustentado.
Ao tratar da fraqueza da retomada, Canuto diz que a recuperação só será plena quando ocorrer a volta dos investimentos privados, o que depende em grande medida da continuidade da agenda de ajuste e de reformas estruturais, para reduzir a percepção de risco. O ponto é que essas medidas avançaram apenas em parte no governo Michel Temer, lembra Canuto.
O teto de gastos, por exemplo, foi aprovado, mas a reforma da Previdência, não. "A agenda de reformas, que poderia ter ajudado mais a recuperação da confiança, não se materializou totalmente. Ela ficou pela metade", diz Canuto. "A recuperação também está pela metade."
Desde 2004 em Washington, Canuto continuará a morar na cidade, depois de passar uma década e meia nas instituições multilaterais sediadas na capital americana. No FMI, foi diretor-executivo para o Brasil e mais dez países em 2015 e 2016, e ocupou uma vice-presidência no BID, de 2007 a 2009 - no resto do tempo teve várias funções no Banco Mundial, como vice-presidente para a redução da pobreza.
Canuto diz que será pesquisador não residente de um centro de estudos em Londres e outro de Marrocos e que está em negociações para ter assento em conselhos de empresas brasileiras e estrangeiras. "Eu também tenho função de palestrante para investidores em Nova York, na Flórida e no Brasil", afirma ele, anunciando ainda a criação do Center for Macroeconomics and Development, em Washington. Uma das atividades será o treinamento de executivos, segundo Canuto.

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