quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

O estado brasileiro

Mais Estado, mas que tipo de Estado?

O Brasil fica entre a hegemonia fechada e a inclusiva. Aqui, a elite política é fechada, foi lentamente se abrindo, mas ainda está longe de haver séria ‘circulação das elites’

Adriando Gianturco

Mais Estado no Brasil não é o mesmo que nos Estados Unidos ou na Escandinávia. Afinal, os modelos são diferentes. Aqui não se tem uma liberal-democracia plena, e sim uma hegemonia fechada, patrimonialista e extrativista.
Europa do Norte e países anglo-saxões são sistemas feudais-contratuais, enquanto Brasil, Rússia, China são patrimonialistas, onde o Estado é o paterfamília que trata territórios e pessoas como sua propriedade. Servidores públicos arrecadam e mantêm o controle social em troca de salários de executivos, status de mandarins e poder superior ao do súdito. Resultado: confusão entre público e privado, Estado com estrutura para a perseguição de interesses individuais, Estado mais forte que a sociedade, “carteiradas” e jeitinho.

A “Caixa de Dahl” é dividida em hegemonias fechadas (com pouca liberdade para os cidadãos e pouca inclusão na elite política), hegemonias inclusivas (com pouca liberdade e muita inclusão), oligarquias competitivas (com muita liberdade e pouca inclusão) e poliarquias (com muita liberdade e muita inclusão). O Brasil fica entre a hegemonia fechada e a inclusiva. A elite política é fechada, foi lentamente se abrindo, mas ainda está longe de ter uma séria “circulação das elites”.
Daron Acemoglu fala de instituições inclusivas (democracia e mercado) e extrativistas (ditadura e planejamento central). A economia é baseada em recursos naturais e não tem livre mercado (140º lugar no Índice da Liberdade Econômica e 125º no Doing Business). Talvez estejamos em uma transição, mas enquanto a oligarquia puder viver extraindo recursos de 200 milhões de pessoas, o fará.
Uma das tipologias mais clássicas é a liberal-democracia e a social-democracia. A primeira se caracteriza por liberdade de expressão e liberdades individuais respeitadas. A segunda por redistribuição, tendencial igualdade econômica, Welfare State. O Brasil não é nem uma nem outra. Aqui, a distribuição é regressiva (53,9% da arrecadação vêm das classes mais pobres, o Bolsa Família representa 0,5% do PIB, enquanto o BNDES 9%). Não há Welfare State, há “malfare”: muito State e pouco Welfare. O país também não é uma liberal-democracia plena: a liberdade de expressão é limitada. É o país cujo Judiciário mais remove conteúdo on-line do mundo, todos os dias se noticiam perseguições por opiniões, jornalistas são processados pelo mero exercício da profissão, os governos tentam continuamente interferir na mídia.

Pedir mais Estado significa pedir mais disso tudo. O Estado ideal de alguns está longe do Estado real. Antes, seria preciso mudar o modelo, inverter a estrutura de incentivos. Isso é o que aconteceu na Europa do Norte e nos países anglo-saxões, limitaram o poder do Leviatã, separaram os poderes, tomaram as rédeas, descentralizaram o poder com um federalismo real, colocaram os direitos individuais à frente da fome insaciável da máquina e colocaram o Estado relativamente mais a serviço do público.
Adriano Gianturco é professor de Ciência Política do Ibmec

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